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|Críticas de Cinema, Teatro e TV|

O triunfo dos vigaristas

 

 

O Lobo de Wall Street

Realização: Martin Scorsese
Elenco: , , Margot Robbie
Género: Biografia, Comédia, Crime
Classificação: 10/10

Golpada Americana

Realização:
Elenco: , ,
Género: Drama, Crime
Classificação: 8/10

Crítica por ABF

Hollywood rendeu-se aos vigaristas. E estes já começaram a 'limpar' os principais prémios da temporada. Só faltam os Oscares para confirmar a amplitude do assalto.

Primeiro chegou-nos O Lobo de Wall Street, de Scorsese. Um ritmo alucinante de drogas, esquemas manhosos para enriquecer na bolsa e cenas de sexo. Para aprimorar um filme brilhante em que o protagonista nos conta diretamente a sua versão da história eis que o próprio Jordan Belfort dá um arzinho da sua graça ao aparecer na cena final a apresentar Di Caprio, quando 'Wolfie' muda de vida e se torna orador motivacional.

Só um aparte para referir que o filme tem uma das melhores cenas que já vi no cinema: um Di Caprio sem controlo sobre o seu corpo sob o efeito de drogas. (Eu que já fui vítima de uma intoxicação por monóxido de carbono consegui rever-me na cena: pensamento lúcido e o corpo simplesmente não obedece) Outro 'fun fact' é que este é o filme não documental com mais fuck (506 vezes)  - o que prova que o cinema português já serve de inspiração para Hollywood.


Agora vamos ao outro grupo de vigaristas: os da Golpada Americana. Uma história bem construída que mais uma vez nos põe a torcer pelos maus da fita.O ambiente depressivo dos anos 1970 dá um toque de humor irónico à trama. Não fico, no entanto, convencida que Jennifer Lawrence mereça mais um Oscar (o primeiro para mim já foi duvidoso), agora pela interpretação de uma dona de casa urbano-depressiva. Já Christian Bale aparece como um verdadeiro quebra corações: cabelo mal amanhado para disfarçar a careca e claro uma bela... barriguinha, que lhe rendeu duas hérnias. Apesar disso conquista as duas beldades do elenco.

Um filme em que a esmagadora maioria das falas é improvisada, o decote da Amy Adams é quase um protagonista autónomo, que teve as gravações adiadas por causa do atentado na maratona de Boston e quase foi realizada por Ben Affleck.


 Não há como não gostar destes vigaristas.


Óscares para Mandela e, já agora, para o Ouattara




12 Anos Escravo

Realização: Steve McQueen
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michae K.Williams, Michael Fassbender 
Género: Drama
Classificação: 10/10

Crítica por Rui Pedro Antunes
 
Um facto: O Mandela morreu há pouco tempo. Mesmo sem saber que tal ia acontecer, Steve McQueen não podia acertar mais na mouche para ganhar a corrida aos óscares. Já se sabe o gosto da Academia em defender causas como a luta contra o Racismo, que infelizmente não acabou no século XIX (época do filme) e que continua a envergonhar a sociedade. Aliando a mensagem política à qualidade técnica do filme (vejam, dei-lhe 10, a mais alta classificação do QueijoTrivial), é claramente um candidato aos óscares.

Para já, Steve McQueen prova que consegue competir na piscina dos graúdos, ganhando maturidade face aos problemas de precocidade (a vários níveis) do seu último filme: "Vergonha" (original title: Shame).

A história é simples e verídica. Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) é um homem livre num País ainda muito dividido entre o Norte (moderno) e o Sul (reacionário, racista e esclavagista). Solomon vive em Saratoga, no Estado de Nova Iorque, e tem uma carreira consolidada como músico, aceitando uma proposta de trabalho para ir a Washington actuar. Os homens que o contrataram eram, no entanto, burlões que trabalhavam para uma rede que raptava homens no Norte para trabalharem como escravos nos campos do Sul. Foi enganado e, a partir daí, é uma luta desumana não para viver, mas para sobreviver.

É nesta via sacra de 12 anos que está o melhor do filme. Sente-se como se fosse na nossa pele cada chicotada nas costas de Solomon, um contido super-herói. Somos também obrigados a desviar a cara perante a carne fresca e a extração de sangue dos macabros rituais dos carrascos do sul. Uma dor desconfortável, uma intensidade brutal. 

A chave do filme está ainda na contenção de Chiwetel. A todo momento puxamos para que use a sua força para se vingar dos porcos brancos estúpidos, qual Django Libertado, mas levamos com sucessivos banhos de realidade. E é na coragem de não ser feroz, suicida e vingativo, que está a salvação de Solomon. Na sobrevivência.

É vergonha, enquanto seres humanos, que sentimos ao ver o filme, um sentimento que o filme anterior de McQueen, apesar de ter esse nome, não conseguiu despertar. Deixo, no entanto, um conselho a Hollywood para os filmes que hão-de vir: se querem pegar no tema do Racismo e da Escravatura, peguem, mas não é preciso recuarem até ao século XVIII ou XIX. 

O Racismo ainda existe, está é mais mascarado. Analise-se, por exemplo, as entrevistas de emprego no Ocidente com um preto e um branco em igualdade de circunstâncias curriculares e veja-se qual a percentagem de aceitação de cada um. Veja-se o nível salarial entre pretos e brancos e por aí fora. Será esta temática esteticamente atraente em termos cinematográficos? Não sei. Mas se Hollywood quer mudar o mundo com os seus óscares, certamente arranja solução. E a Academia vai corresponder.

Para finalizar, conto aqui uma história a que assisti em 1995 (há quase 19 anos). Fui pela primeira vez à bola com o meu pai, ver um Sporting-Boavista em Alvalade (0-0). Não me lembro bem do jogo, a não ser do resultado e que sempre que o Bobó (jogador guineense do Boavista) tocava na bola, os tipos da claque do meu clube começavam a imitar um macaco. "Uh-Uh-Ah".

Senti-me envergonhado. O Ouattara (avançado costa-marfinense do Sporting, que saiu para entrar o Chiquinho Conde) veio junto da claque mostrar-se indignado, como quem diz: "Parem com isso, é um dos meus." Mas não era um dos dele. Era um dos nossos, humano. E hoje, no futebol, há quem ainda não o perceba. A claque fingiu que não era nada com eles e incentivou o seu jogador: "Uh-uh-ah-Ouattara!", "Uh-uh-ah-Ouattara!". Tentaram emendar a mão, mas nada feito. Foram racistas. Foram medíocres. Aquilo marcou-me até hoje.

Quando fizeram o mesmo ao Balotelli no Dragão há dois anos voltei a sentir vergonha. Há coisas que voltam e que não são boas. Yaya Touré já avisou que os jogadores africanos podem boicotar o campeonato do Mundo na Rússia se o Racismo continuar no país. Touré é um dos muitos Mandelas e Solomons que andam por aí. Ouattara também era.

Se Hollywood e a Academia querem catequizar têm aqui, infelizmente, matéria da boa. O Racismo na atualidade. As estórias dos séculos passados já se começam a esgotar apesar de serem realmente boas (lembremos The Help, por exemplo). A de McQueen desta vez passa. Porque é muito boa e merece (mesmo) estatuetas douradas. Mas comecem a inovar, por favor. Não no tema, mas na época. 

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