A música começava, os bonecos desengonçados corriam para cima
das letras gigantes e o meu coraçãozito acelerava. Os Jogos sem Fronteiras eram
um acontecimento nas noites de verão da minha infância. E despertaram em mim os
primeiros sinais de justiça social: invariavelmente, torcia pelos mais fracos.
A coisa funcionava mais ou menos assim:
No início do programa, eu era a espectadora imparcial, que
se limitava a apreciar as várias provas e vibrava com “Attention, prêts,
Piiiiiiiii” do Denis. Ao segundo ou terceiro jogo, quando uma equipa começava a
destacar-se pela negativa e a acomodar-se no fundo da tabela, eu tornava-me numa
entusiasta apoiante desse país. A partir daí, acompanhava cada etapa com
emoção, na expetativa de que os meus pequenos desajeitados ganhassem qualquer
coisinha. E rejubilava cada vez que um desses países conseguia uma reviravolta
na tabela e passava para a liderança. Eram estas as minhas pequenas conquistas
no final dos anos 80.
Depois, os Jogos sem Fronteiras eram também um convite ao
sonho. Naquela altura, com cinco ou seis anos, eu ainda não sabia que não tinha
coordenação motora; ainda não sabia que, anos mais tarde, quando me passassem a
bola nas aulas de educação física, tenderia a desviar-me inconscientemente, com
medo de ser fatalmente alvejada. Com cinco anos, eu divertia-me a dar
cambalhotas no sofá da minha avó e mal podia imaginar que iria desenvolver uma
espécie de fobia à ginástica quando chegasse ao ciclo; vivia na aldeia e corria
pelo pátio, sem saber que, mais tarde, acharia que correr é uma canseira.
Enfim, aos cinco anos eu achava – ou melhor sonhava – que viria a participar
numa edição dos Jogos Sem Fronteiras quando crescesse. Às vezes, ao deitar, no
fim de mais uma emissão, fechava os olhos e revia as provas todas,
imaginando-me aos comandos da equipa vencedora.
Feliz ou infelizmente, os Jogos
Sem Fronteiras terminaram antes que eu tivesse idade para participar no
concurso e não tive de passar pela humilhação de admitir as minhas flagrantes inabilidades físicas.
Se eu gostava que os Jogos sem Fronteiras voltassem? Sim, e
não. Sim, claro, porque tudo o que seja reviver a tv da infância é sempre
mágico. Não, porque tenho medo que afinal aquilo não seja assim tão genial. Às
vezes, quando o zapping me leva aos “Soltem a parede” e outros produtos
sucedâneos desta vida, dou comigo a pensar se os Jogos sem Fronteiras eram
aquilo. Se eram assim uma parvoíce de pessoas a escorregar e a cair em
piscinas. Sei que não eram, e podia elencar uma vasta lista de diferenças entre
os Jogos e esses joguitos da tv moderna. Mas eu também achava que podia ser a
estrela que ajudaria a equipa da Figueira da Foz a conquistar a final europeia. Por isso,
na dúvida, prefiro deixar este assunto na caixinha das recordações.
(Bem sei que ABF já tinha refletido sobre os Jogos Sem
Fronteiras, mas eu não podia regressar à infância e deixar esta memória de
lado. Aviso já que serei igualmente implacável quanto à Rua Sésamo, ao Babar e
às pastilhas Gorila. Lá iremos, um dia)