quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Filhos únicos




 
O tema dos filhos únicos é sensível, mas deve ser alvo de atenção numa altura em que a taxa de natalidade é baixa e em que há cada vez mais filhos únicos.

Esta semana um artigo do jornal Público chamava a atenção para o problema com o título “Quanto pode custar ao país uma geração de filhos únicos?”. O texto acabava por aprofundar o tema da superprotecção aos filhos, que considero não ser um exclusivo dos filhos únicos (sim, sou filha única).

Conheço benjamins que são muito mais protegidos e até mimados do que os filhos únicos. No fundo, tudo depende da educação – e, diga-se a verdade, por vezes depende da maior predilecção dos pais por este filho ou por aquele em detrimento dos outros.

Felizmente não me revejo no retrato do filho único que é traçado no artigo. Se calhar porque cresci a ouvir muitas vezes a palavra “não”, que os pais hoje em dia têm dificuldade em pronunciar. Se calhar porque ainda sou da geração de brincar na rua com os vizinhos, de brincar com os primos, de brincar com os amigos – e de partilhar tudo com todos. E de chafurdar na terra a inventar bolos de chocolate, ficar com as unhas cheias de terra, e ainda ouvir o belo do ralhete e até a palmada da mãe quando tinha o infeliz tique de roer as unhas…

É verdade que a realidade hoje é outra para a maioria das crianças, tal como lembra o artigo. Mas também é verdade que muitos pais não sabem lidar com as birras das crianças, e preferem satisfazer as suas exigências para que se calem rapidamente, em vez de as contrariar. Há sempre aquela máxima: se a birra não inclui lágrimas, é porque é mesmo chantagem.

Concordo com o argumento que ser pai ou mãe hoje em dia não é a mesma coisa do que no tempo em que eu era criança. Agora há muita angústia em torno da parentalidade, do que se espera da figura do progenitor, do sacrifício pessoal que se exige aos pais num mundo em que a carreira profissional é cada vez mais rodeada de pressão.

Alguns destes problemas talvez ficassem resolvidos com uma política cabal de protecção à natalidade, mas também à maternidade e paternidade. A substituição das gerações não tem sido preocupação dos Governos, sempre preocupados apenas com problemas de curto prazo. Também não tem sido preocupação da sociedade em geral, porque mesmo no tempo da ilusória prosperidade não se exigiram este tipo de políticas semelhantes às dos países nórdicos.
Um dia havemos de pagar o preço por tudo isto e nessa altura a expressão “sustentabilidade da Segurança Social” vai deixar de fazer sentido.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Chupistas nunca mais



Cheguei à conclusão que há chupistas por todo o lado. E os chupistas são bem piores que os borlistas ou os cravas (por estes últimos, confesso,  não nutro especial simpatia). No final de janeiro li um texto do Miguel Esteves Cardoso (MEC), intitulado "Borlas Nunca Mais" (por acaso li-o à borla na Internet), do qual discordo porque o MEC confundiu borlistas com cravas. Não são bem a mesma coisa.

Como o MEC é o MEC vou tentar equilibrar um bocadinho as coisas e ganhar aqui alguma vantagem moral, já que pela escrita não vou lá. Vou roçar a demagogia, mas, pelo menos, é com a verdade. Se somar as horas todas que fiz em peditórios (naturalmente, de borla) para a Liga Portuguesa Contra o Cancro e as horas que estive, em pé, à porta de um supermercado a recolher alimentos para o Banco Alimentar sou capaz de superar as horas que o MEC foi à borla falar à televisão, a um programa do Herman ou qualquer coisa parecida. Isso faz de mim um escravo moderno? Penso que não.

O MEC estava muito ofendido porque, naturalmente, recebe muitos convites (que não considera convites, mas uma espécie de cantos da sereia esclavagistas) de pessoas que o admiram, que querem que ele faça parte de um projeto. "Borlistas de merda!", pensará ele. E continuará, imagino eu: "Eles gostam de mim, mas que se lixe, não sou pai de ninguém. Não sou escravo. Não vão ser correspondidos, por isso é que o Amor é Fodido".

O MEC é um ídolo para gerações. Da minha, da antes da minha e da antes dessa. Se eu um dia, hipoteticamente falando, lançasse um livro, pensaria no Miguel para o apresentar. Porque o admiro.  E não teria dinheiro para lhe pagar. Ia-lhe pedir que cometesse o sacrifício de perder 45 minutos da vida dele com um "projeto" meu e automaticamente tornava-me num escravocrata. Por outro lado, se um Trump, um Amorim ou um Belmiro oferecesse uns bons milhares de euros para o MEC ir uma apresentação, já seriam bons-samaritanos, gente justa e honesta, que contrasta com um palhaço borlista como eu.

MEC, quando lhe fizerem esses "convites" esclavagistas, há duas palavras que costumam resultar: "Não, obrigado". Não é preciso menorizar as pessoas que o abordaram - que antes disso leram as suas crónicas, compraram os seus livros - e que apenas fizeram uma pergunta. Perguntar não ofende. Já pensou que eles não têm a culpa de não ter nascido génios, de não terem um amigo na televisão ou de não serem de uma família com consoantes duplas e ípsilons no lugar dos i's?

Se eu fosse o MEC, tanta borla que eu dava. Sou o Rui, nasci em Salvaterra, e escrevo textos medíocres como este. Quem me dera ter mais convites, quem me dera ajudar mais. Mas, infelizmente, não nasci génio.  A mim até me convidam para me dar mais dinheiro. A última vez convidaram-me para ganhar seis vezes mais. Fiquei sentado na mesma cadeira, a fazer o que gosto: ser jornalista. Um dia, se tiver sorte (e mérito), talvez me estejam sempre a ligar a pedir borlas por me admirarem. E sabe que mais MEC? Eu, se puder, direi que sim. Se não puder, direi apenas: "Não, obrigado".

Tem graça  porque eu, quando dou uma borla a alguém, sem receber nada em troca, não me sinto nenhuma Madre Teresa, nenhum Peter Parker nem sequer um Di Natale. Mas grito, para mim mesmo, em silêncio, qualquer coisa do género: "Como é linda a puta da vida".

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O triunfo dos vigaristas

 

O Lobo de Wall Street

Realização: Martin Scorsese
Elenco: , , Margot Robbie
Género: Biografia, Comédia, Crime
Classificação: 10/10

Golpada Americana

Realização:
Elenco: , ,
Género: Drama, Crime
Classificação: 8/10

Hollywood rendeu-se aos vigaristas. E estes já começaram a 'limpar' os principais prémios da temporada. Só faltam os Oscares para confirmar a amplitude do assalto.

Primeiro chegou-nos O Lobo de Wall Street, de Scorsese. Um ritmo alucinante de drogas, esquemas manhosos para enriquecer na bolsa e cenas de sexo. Para aprimorar um filme brilhante em que o protagonista nos conta diretamente a sua versão da história eis que o próprio Jordan Belfort dá um arzinho da sua graça ao aparecer na cena final a apresentar Di Caprio, quando 'Wolfie' muda de vida e se torna orador motivacional.

Só um aparte para referir que o filme tem uma das melhores cenas que já vi no cinema: um Di Caprio sem controlo sobre o seu corpo sob o efeito de drogas. (Eu que já fui vítima de uma intoxicação por monóxido de carbono consegui rever-me na cena: pensamento lúcido e o corpo simplesmente não obedece) Outro 'fun fact' é que este é o filme não documental com mais fuck (506 vezes)  - o que prova que o cinema português já serve de inspiração para Hollywood.


Agora vamos ao outro grupo de vigaristas: os da Golpada Americana. Uma história bem construída que mais uma vez nos põe a torcer pelos maus da fita.O ambiente depressivo dos anos 1970 dá um toque de humor irónico à trama. Não fico, no entanto, convencida que Jennifer Lawrence mereça mais um Oscar (o primeiro para mim já foi duvidoso), agora pela interpretação de uma dona de casa urbano-depressiva. Já Christian Bale aparece como um verdadeiro quebra corações: cabelo mal amanhado para disfarçar a careca e claro uma bela... barriguinha, que lhe rendeu duas hérnias. Apesar disso conquista as duas beldades do elenco.

Um filme em que a esmagadora maioria das falas é improvisada, o decote da Amy Adams é quase um protagonista autónomo, que teve as gravações adiadas por causa do atentado na maratona de Boston e quase foi realizada por Ben Affleck.


 Não há como não gostar destes vigaristas.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Eu, hipócrita, me confesso: A praxe sob o teorema de Moutinho

























Ponto prévio: Fui praxado e praxei. Tinha 18 anos, nunca humilhei ninguém nem nada que se pareça, mas sinto vergonha de ter feito parte dessa instituição saloio-repressiva que é a praxe. Não sou anti-praxe, mas não consigo - mais de nove anos depois de ter sido "doutor" - ser a favor da praxe, nem tão pouco gostar dela.

Por muito que alimentasse o meu ego de puto-estúpido ter cerca de 40 pessoas às minhas ordens, direito que ganhei pelo mérito (pasme-se) de ter entrado na universidade um ano antes dos caloiros, não consigo gostar de ter feito parte dessa organização bafienta que até mantém o uso da Língua morta (o Latim subsiste, curiosamente, na praxe e no Vaticano).

Eu acreditava que as pessoas eram livres de dizer que não às minhas ordens, mas nem um santo acredita que não há ali - ainda que ao de leve e na mais inofensiva e bem intencionada das praxes - resquícios de coação psicológica.

Tenho orgulho de, em editorial do jornal A CABRA, perto do final de um ano académico, ter criticado o Dux de Coimbra (hoje é o mesmo), bem como o Conselho de Veteranos e a hierarquia assente na asnidade. Já aí, felizmente, por força da maturidade, a Razão começava a sobrepor-se ao Carneirismo acéfalo.

Cresci e hoje não acho mesmo piada nenhuma à praxe. Venham os meus colegas de curso dizer que em Coimbra, blá,blá,blá a Praxe é fixe. Não posso concordar que uma pessoa, num país livre, numa cidade com uma tradição democrática como Coimbra, tenha de estar em casa às 00h01 para não ser violentado por uma trupe de cobardolas de cara tapada. É inadmissível. E não me venham dizer que há a hipótese de dizer que não somos pela praxe, porque (no caso das trupes) não é verdade.
Pois é, eu venho dizer isto de barriguinha cheia depois de ter praxado, daí ser um hipócrita. Mas não conseguia guardar mais este rancor à praxe. Hoje, cara praxe, ajustamos contas.

Eu pensava que estava a fazer bem quando mandei os meus "subordinados" insultar as meninas de Direito, a dizerem que viram as mães dos tipos de Farmácia e de Medicina no Sexy Hot e a imitarem os D-ZRT. Mas, hoje, sei que era muito melhor estarmos todos, doutores e caloiros, como iguais que éramos, a conversar em tertúlia no Couraça, no TAGV, nas amarelas ou noutro sítio qualquer. Dir-me-ão que não fiz nada de mal. É verdade. Mas perguntem a um chefe da repartição de finanças da Alemanha em 1940 se ele (mesmo sem ser nazi nem ter feito nada de mal a não ser cobrar impostos) se se sente orgulhoso de feito parte - ainda que ao de leve - daquele todo. Duvido.

Atenção: Não estou a comparar a praxe ao nazismo. Volto a dizer que não sou anti-praxe, porque há bons exemplos de comissões de boas-vindas, que servem, realmente, para integrar (Veja-se os bons exemplos dos grupos de voluntários que recebem, orientam e integram os Erasmus...). Não é possível acabar com a praxe. Mas é possível mudá-la. A praxe (também) tem coisas boas.

A praxe, com os tentáculos que tem hoje, está para o ensino superior como o João Moutinho estava para o Sporting de Bettencourt e Paulo Sérgio. É uma maçã podre. Ou como muito bem cantou Sérgio Godinho: uma maçã com bicho.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Vanuatu significa felicidade



Há umas semanas propus uma viagem ao Palau. Desta vez vamos até ao Vanuatu, um pouco mais a Sul. Confesso a minha atração pelas terras destas latitudes. Talvez os nomes algo engraçados sejam um fator de peso. Seguindo esta ordem de ideias, Tuvalu também seria um bom destino e não é muito longe do Vanuatu. Mas fiquemo-nos agora pelo Vanuatu, que foi descoberto por um português.


 Foto: http://vanuatu.travel

Pedro Fernandes de Queirós, marinheiro nascido em terra onde não há mar (Évora), foi o primeiro navegador a avistar as várias ilhas do atual Vanuatu em 1606. Na altura, o português pensava que era parte de um continente do sul, a atual Austrália. Há mesmo quem diga que foi ele que esteve na origem da palavra “Austrália” por assim ter chamado às ilhas do Vanuatu. Se quiserem procurar na internet mais informações sobre este descobridor, podem usar igualmente as palavras “Pedro Fernandez de Quiros” que em vários sites o designam. 

O Vanuatu só viria a ser um país independente em 1980, com a "Guerra do Coco" metida ao barulho. Este episódio é tão bizarro que vou deixar a vossa curiosidade procurá-lo na internet. Há mesmo o livro "The Coconut War: Vanuatu and the Struggle for Independence", do jornalista Richard Shears. 

 Foto: http://vanuatu.travel

Depois disto acho que nem precisava, mas falo das paisagens de cortar a respiração, das atividades aquáticas e subaquáticas, dos vulcões (duas placas tectónicas chocam aqui e os vulcões oferecem histórias incríveis como a da erupção que partiu uma das ilhas a meio), ou até das visitas às tribos.  

Sim, pode parecer um pouco bizarro, mas há visitas turísticas em que se podem assistir aos rituais das tribos, e que incluem demonstrações de magia. Desculpem, mas isto mexe bastante com a minha imaginação. Só consigo pensar em caldeirões fumegantes e danças tribais com fatiotas bastante coloridas. O site turístico oficial do país oferece algumas viagens mentais ao cenário http://vanuatu.travel/


 Foto: http://vanuatu.travel



A verdade é que nunca lá fui. E é por isso que invejo de certa forma Susana Vieira Ramos. Não só esteve lá, como está agora a fazer uma exposição fotográfica com o título “Pikinini do Vanuatu – ao encontro da felicidade”, de 5 a 26 de fevereiro na Casa Municipal da Juventude de Aveiro. “Pikinini significa «crianças» em bichlamar, uma das línguas veiculares e oficiais do Vanuatu, a par do inglês e do francês”, pode ler-se no comunicado de imprensa que recebi recentemente.

Tenho que dizer em abono da verdade que não a conheço, muito menos o seu trabalho. Mas, só por ter estado no Vanuatu entre 2010 e 2012 e fazer uma exposição fotográfica com este título sonoro sobre as crianças deste pobre país, é digna da minha admiração. Apesar da pobreza, o Vanuatu será um dos locais mais felizes do mundo, segundo o Happy Planet Index. Esta mostra de 50 fotografias de Susana Vieira Ramos pretende partilhar a felicidade que esta jovem emigrante portuguesa encontrou do outro lado do mundo.