Ponto prévio: Fui praxado e praxei. Tinha 18 anos, nunca humilhei ninguém nem nada que se pareça, mas sinto vergonha de ter feito parte dessa instituição saloio-repressiva que é a praxe. Não sou anti-praxe, mas não consigo - mais de nove anos depois de ter sido "doutor" - ser a favor da praxe, nem tão pouco gostar dela.
Por muito que alimentasse o meu ego de puto-estúpido ter cerca de 40 pessoas às minhas ordens, direito que ganhei pelo mérito (pasme-se) de ter entrado na universidade um ano antes dos caloiros, não consigo gostar de ter feito parte dessa organização bafienta que até mantém o uso da Língua morta (o Latim subsiste, curiosamente, na praxe e no Vaticano).
Eu acreditava que as pessoas eram livres de dizer que não às minhas ordens, mas nem um santo acredita que não há ali - ainda que ao de leve e na mais inofensiva e bem intencionada das praxes - resquícios de coação psicológica.
Tenho orgulho de, em editorial do jornal A CABRA, perto do final de um ano académico, ter criticado o Dux de Coimbra (hoje é o mesmo), bem como o Conselho de Veteranos e a hierarquia assente na asnidade. Já aí, felizmente, por força da maturidade, a Razão começava a sobrepor-se ao Carneirismo acéfalo.
Cresci e hoje não acho mesmo piada nenhuma à praxe. Venham os meus colegas de curso dizer que em Coimbra, blá,blá,blá a Praxe é fixe. Não posso concordar que uma pessoa, num país livre, numa cidade com uma tradição democrática como Coimbra, tenha de estar em casa às 00h01 para não ser violentado por uma trupe de cobardolas de cara tapada. É inadmissível. E não me venham dizer que há a hipótese de dizer que não somos pela praxe, porque (no caso das trupes) não é verdade.
Pois é, eu venho dizer isto de barriguinha cheia depois de ter praxado, daí ser um hipócrita. Mas não conseguia guardar mais este rancor à praxe. Hoje, cara praxe, ajustamos contas.
Eu pensava que estava a fazer bem quando mandei os meus "subordinados" insultar as meninas de Direito, a dizerem que viram as mães dos tipos de Farmácia e de Medicina no Sexy Hot e a imitarem os D-ZRT. Mas, hoje, sei que era muito melhor estarmos todos, doutores e caloiros, como iguais que éramos, a conversar em tertúlia no Couraça, no TAGV, nas amarelas ou noutro sítio qualquer. Dir-me-ão que não fiz nada de mal. É verdade. Mas perguntem a um chefe da repartição de finanças da Alemanha em 1940 se ele (mesmo sem ser nazi nem ter feito nada de mal a não ser cobrar impostos) se se sente orgulhoso de feito parte - ainda que ao de leve - daquele todo. Duvido.
Atenção: Não estou a comparar a praxe ao nazismo. Volto a dizer que não sou anti-praxe, porque há bons exemplos de comissões de boas-vindas, que servem, realmente, para integrar (Veja-se os bons exemplos dos grupos de voluntários que recebem, orientam e integram os Erasmus...). Não é possível acabar com a praxe. Mas é possível mudá-la. A praxe (também) tem coisas boas.
A praxe, com os tentáculos que tem hoje, está para o ensino superior como o João Moutinho estava para o Sporting de Bettencourt e Paulo Sérgio. É uma maçã podre. Ou como muito bem cantou Sérgio Godinho: uma maçã com bicho.
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