Na adolescência, quando o tempo sobrava e a literatura
(infantojuvenil, entenda-se) escasseava nas prateleiras lá de casa, relia
muitos livros. Passei assim muitas tardes de verão, a reler histórias que já
sabia de cor. Há livros – assim, de repente, ocorrem-me dois clássicos da minha
biblioteca: “O Ano da Peste Negra” e “o Geniozinho” – que devo ter relido umas
quatro ou cinco vezes. Eram histórias simples, escritas em linguagem simples, e
cada releitura pouco acrescentava à anterior. Naquela altura, reler livros era um mero exercício de entretenimento.
Só mais tarde, ao começar a ler literatura mais a sério, percebi
que a avaliação que fazemos de uma obra depende muito da fase da vida em que
estamos quando a lemos, e que a cada (re)leitura pode representar uma
descoberta. Foi uma professora de Português (who else?) quem mo explicou, a
propósito do desagrado da turma em relação ao "Viagens na Minha Terra". Prometi a
mim mesma que, um dia, iria reler a obra do Garrett; depois juntei à lista "Os
Maias", o "Cem Anos de Solidão" (adorei ambos e por serem tão bons acho que
merecem uma segunda abordagem) e uns tantos outros que se perderam nos confins da minha memória.
Ontem – e este sei que não me vou esquecer – acrescentei “A Desumanização”, de
Valter Hugo Mãe.
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Se ainda não leram “A Desumanização”, aceitem o conselho:
façam-no com tempo, leiam-no numa altura em que estejam bem acordados e sem
distrações por perto. O livro é, de facto, muito denso. A história de Hallah - uma menina de 11 anos, que carrega o fardo de ser a irmã "menos morta" da família, depois do falecimento da sua gémea - é quase que um mega
poema em forma de romance, uma ode à Islândia com alguma filosofia à mistura e onde a história parece
ficar relegada para segundo plano – e agora estão os críticos de vhm a
sorrir, julgando que vou dar argumentos à tese do "escritor pretensioso que se preocupa mais com a forma do
que com o conteúdo”. Mas não, meus caros, podem baixar as armas. Porque
chega-se ao fim de “A Desumanização” e percebe-se que afinal havia ali uma história incomum,
e que essa história não só faz sentido como nos convida a refletir sobre uma
série de questões– da morte à natureza do próprio ser humano. E até o título – que inicialmente me pareceu tão seco e frio
– não podia afinal ter sido melhor escolhido. Desumanizou-se Hallah e desumanizaram-se aquelas pessoas, perdidas nos fiordes islandeses.
O problema é que se me pedirem para dar uma nota ao livro,
friamente, não consigo. Porque acho mesmo que preciso de relê-lo para o assimilar plenamente. O problema número dois é que não releio um livro
desde a adolescência, porque entretanto a equação se inverteu – falta-me agora o tempo (e a vontade, por vezes, há que confessá-lo) e acumulam-se os livros na
prateleira. Talvez desfaça as minhas dúvidas lá para a idade da reforma (80
anos, quando chegar à minha altura?). Entretanto, se alguém quiser ajudar-me a refletir sobre o que li, as vossas opiniões serão bem-vindas. Está aberta a discussão.
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