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12 Anos Escravo
Realização: Steve McQueen
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michael K.Williams, Michael Fassbender
Género: Drama
Classificação: 10/10
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michael K.Williams, Michael Fassbender
Género: Drama
Classificação: 10/10
Um facto: O Mandela morreu há pouco tempo. Mesmo sem saber que tal ia acontecer, Steve McQueen não podia acertar mais na mouche para ganhar a corrida aos óscares. Já se sabe o gosto da Academia em defender causas como a luta contra o Racismo, que infelizmente não acabou no século XIX (época do filme) e que continua a envergonhar a sociedade. Aliando a mensagem política à qualidade técnica do filme (vejam, dei-lhe 10, a mais alta classificação do queijotrivial), é claramente um candidato aos óscares.
Para já, Steve McQueen prova que consegue competir na piscina dos graúdos, ganhando maturidade face aos problemas de precocidade (a vários níveis) do seu último filme: "Vergonha" (original title: Shame).
A história é simples e verídica. Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) é um homem livre num País ainda muito dividido entre o Norte (moderno) e o Sul (reacionário, racista e esclavagista). Solomon vive em Saratoga, no Estado de Nova Iorque, e tem uma carreira consolidada como músico, aceitando uma proposta de trabalho para ir a Washington actuar. Os homens que o contrataram eram, no entanto, burlões que trabalhavam para uma rede que raptava homens no Norte para trabalharem como escravos nos campos do Sul. Foi enganado e, a partir daí, é uma luta desumana não para viver, mas para sobreviver.
É nesta via sacra de 12 anos que está o melhor do filme. Sente-se como se fosse na nossa pele cada chicotada nas costas de Solomon, um contido super-herói. Somos também obrigados a desviar a cara perante a carne fresca e a extração de sangue dos macabros rituais dos carrascos do sul. Uma dor desconfortável, uma intensidade brutal.
A chave do filme está ainda na contenção de Chiwetel. A todo momento puxamos para que use a sua força para se vingar dos porcos brancos estúpidos, qual Django Libertado, mas levamos com sucessivos banhos de realidade. E é na coragem de não ser feroz, suicida e vingativo, que está a salvação de Solomon. Na sobrevivência.
É vergonha, enquanto seres humanos, que sentimos ao ver o filme, um sentimento que o filme anterior de McQueen, apesar de ter esse nome, não conseguiu despertar. Deixo, no entanto, um conselho a Hollywood para os filmes que hão-de vir: se querem pegar no tema do Racismo e da Escravatura, peguem, mas não é preciso recuarem até ao século XVIII ou XIX.
O Racismo ainda existe, está é mais mascarado. Analise-se, por exemplo, as entrevistas de emprego no Ocidente com um preto e um branco em igualdade de circunstâncias curriculares e veja-se qual a percentagem de aceitação de cada um. Veja-se o nível salarial entre pretos e brancos e por aí fora. Será esta temática esteticamente atraente em termos cinematográficos? Não sei. Mas se Hollywood quer mudar o mundo com os seus óscares, certamente arranja solução. E a Academia vai corresponder.
Para finalizar, conto aqui uma história a que assisti em 1995 (há quase 19 anos). Fui pela primeira vez à bola com o meu pai, ver um Sporting-Boavista em Alvalade (0-0). Não me lembro bem do jogo, a não ser do resultado e que sempre que o Bobó (jogador guineense do Boavista) tocava na bola, os tipos da claque do meu clube começavam a imitar um macaco. "Uh-Uh-Ah".
Senti-me envergonhado. O Ouattara (avançado costa-marfinense do Sporting, que saiu para entrar o Chiquinho Conde) veio junto da claque mostrar-se indignado, como quem diz: "Parem com isso, é um dos meus." Mas não era um dos dele. Era um dos nossos, humano. E hoje, no futebol, há quem ainda não o perceba. A claque fingiu que não era nada com eles e incentivou o seu jogador: "Uh-uh-ah-Ouattara!", "Uh-uh-ah-Ouattara!". Tentaram emendar a mão, mas nada feito. Foram racistas. Foram medíocres. Aquilo marcou-me até hoje.
Quando fizeram o mesmo ao Balotelli no Dragão há dois anos voltei a sentir vergonha. Há coisas que voltam e que não são boas. Yaya Touré já avisou que os jogadores africanos podem boicotar o campeonato do Mundo na Rússia se o Racismo continuar no país. Touré é um dos muitos Mandelas e Solomons que andam por aí. Ouattara também era.
Se Hollywood e a Academia querem catequizar têm aqui, infelizmente, matéria da boa. O Racismo na atualidade. As estórias dos séculos passados já se começam a esgotar apesar de serem realmente boas (lembremos The Help, por exemplo). A de McQueen desta vez passa. Porque é muito boa e merece (mesmo) estatuetas douradas. Mas comecem a inovar, por favor. Não no tema, mas na época.
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